.





Powered by Blogger

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Correntes de ar



Um dia resolveu livrar-se de todos aqueles filamentos maleáveis, mas nem sempre flexíveis que lhe cresciam da cabeça. Nunca conseguia fazer deles o que queria. Um dia quis vingar-se e, a medo, foi à loja adquirir um daqueles instrumentos com som de broca. Mas daqueles inofensivos que prometem domar remoinhos e caracóis rebeldes.

Apesar daquela sensação de receio, não pensou duas vezes: fechou os olhos e cortou os cabelos com a tesoura. O mais curto que pôde. Depois ligou a máquina e começou a desliza-la pela cabeça. Primeiro devagar a sempre a espreitar pelo canto do olho semi-cerrado. Depois confiantemente. Uma a uma, todas as madeixas de cabelo espesso foram caindo no chão, inertes. Um a um, todos os complexos tombaram, inofensivos. Todos os receios se dissiparam e todo o excesso de consciência de si desapareceu aos poucos.

É certo que teve que ir buscar ao fundo da gaveta os velhos gorros de lã, mas essas correntes de ar que lhe acariciaram a cabeça quase nua, vieram como um alívio. Agora domara os caracóis e os remoinhos. Agora, tinha descoberto a verdadeira forma harmoniosa do seu crânio, que sempre achara feio. Os brincos, que nunca encontrava por baixo da espessa cabeleira, estavam agora sempre ali! E agora, não se importava com nada disso! A única coisa que interessava era que agora, lavar a cabeça ia deixar de ser uma tarefa chata.