Aprendizagens (ou como a esgrima de fraquezas para agredir os outros faz de nós seres curvados...)
Certo dia, estava eu sentada num banco do Metro, fazendo de olhos fechados o claustrofóbico percurso rotineiro, quando vejo infamemente interrompida a minha já de si entrecortada sesta. Motivo de tal interrupção? Numa das paragens da linha Verde-espinafre, entra de forma intempestiva uma dupla de criaturas curvadas e engelhadas, uma delas fazendo-se acompanhar por uma bengala de madeira que suportava todo o seu redondo peso, sem um único lamento (a não ser talvez uma curvatura em forma de suspiro resignado, devido ao peso que nela se apoiava).
A primeira coisa que tais criaturas se dignaram fazer aquando da sua entrada triunfante, foi dirigir-se ao banco sinalizado para passageiros inválidos e instantaneamente começar a interpretar um extenso repertório de lamúrias e insultos dirigidos a um par de raparigas jovens que já tentava levantar-se para dar lugar. O seu gesto foi dificultado pela obstrução obstinada que as duas corcundas faziam, decididas a não deixar as raparigas passar sem ter antes ouvido todos os impropérios que lhes tinham sido tão carinhosamente dedicados.
“Ó suas estúpidas” “Aaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!! (quando a composição arrancou com a gentileza típica que alguns maquinistas lhes sabem tão bem imprimir)” “Sou cega (berrava a da bengala de madeira)!!” “Suas mal educadas, não dão lugar aos mais velhos” “Esta juventude de hoje em dia!”
E a resposta:
“Estamos a tentar levantar-nos, se nos quiser dar licença...”
Lá se levantaram as raparigas e sentaram as corcundas (o peso de anos de ressentimento?). As duas sentadas continuavam a ensaiar o seu chorrilho de lamentos insultuosos. Claro que depois disto não voltei a pregar olho. Por causa de tal banda-sonora, ainda pior para os nervos do que o chiar das rodas nos carris...
As duas jovens conseguiram sentar-se na paragem seguinte. Todos os restantes passageiros trocavam olhares constrangidos entre si olhando em seguida para as duas senhoras-criaturas e abanando a cabeça em sinal de reprovação. Silêncio... Só se ouvia o matraquear das duas e o chiar dos carris... Ninguém bateu palmas perante semelhante interpretação... O melhor número vem a seguir....
Eis que abranda o Metro e preparam-se as duas jovens para abandonar a carruagem. Não sem antes se rematar a cena da forma que passo a descrever:
Uma das jovens, com um estranho olhar azul, quase branco, como naqueles dias em que o céu se envolve num manto de neblina translúcida. Essa jovem, dizia eu, preparada, em frente à porta, vira-se na direcção das duas criaturas e proclama, imediatamente antes de sair:
“Para sua informação, eu tenho tanto direito a sentar-me nesse banco como a senhora. Eu também sou cega!”
A cara das criaturas defigurou-se de espanto e vergonha e o ambiente na carruagem ficou muito mais leve, com os passageiros a sorrir uns para os outros, disfarçadamente.
Depois disto, silêncio... Só se ouvia o chiar dos carris.
A primeira coisa que tais criaturas se dignaram fazer aquando da sua entrada triunfante, foi dirigir-se ao banco sinalizado para passageiros inválidos e instantaneamente começar a interpretar um extenso repertório de lamúrias e insultos dirigidos a um par de raparigas jovens que já tentava levantar-se para dar lugar. O seu gesto foi dificultado pela obstrução obstinada que as duas corcundas faziam, decididas a não deixar as raparigas passar sem ter antes ouvido todos os impropérios que lhes tinham sido tão carinhosamente dedicados.
“Ó suas estúpidas” “Aaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!!!! (quando a composição arrancou com a gentileza típica que alguns maquinistas lhes sabem tão bem imprimir)” “Sou cega (berrava a da bengala de madeira)!!” “Suas mal educadas, não dão lugar aos mais velhos” “Esta juventude de hoje em dia!”
E a resposta:
“Estamos a tentar levantar-nos, se nos quiser dar licença...”
Lá se levantaram as raparigas e sentaram as corcundas (o peso de anos de ressentimento?). As duas sentadas continuavam a ensaiar o seu chorrilho de lamentos insultuosos. Claro que depois disto não voltei a pregar olho. Por causa de tal banda-sonora, ainda pior para os nervos do que o chiar das rodas nos carris...
As duas jovens conseguiram sentar-se na paragem seguinte. Todos os restantes passageiros trocavam olhares constrangidos entre si olhando em seguida para as duas senhoras-criaturas e abanando a cabeça em sinal de reprovação. Silêncio... Só se ouvia o matraquear das duas e o chiar dos carris... Ninguém bateu palmas perante semelhante interpretação... O melhor número vem a seguir....
Eis que abranda o Metro e preparam-se as duas jovens para abandonar a carruagem. Não sem antes se rematar a cena da forma que passo a descrever:
Uma das jovens, com um estranho olhar azul, quase branco, como naqueles dias em que o céu se envolve num manto de neblina translúcida. Essa jovem, dizia eu, preparada, em frente à porta, vira-se na direcção das duas criaturas e proclama, imediatamente antes de sair:
“Para sua informação, eu tenho tanto direito a sentar-me nesse banco como a senhora. Eu também sou cega!”
A cara das criaturas defigurou-se de espanto e vergonha e o ambiente na carruagem ficou muito mais leve, com os passageiros a sorrir uns para os outros, disfarçadamente.
Depois disto, silêncio... Só se ouvia o chiar dos carris.
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