Uma teoria da relatividade

Gosta de ver a neve lá fora a cair... É silenciosa. A chuva tem outra personalidade! Faz-lhe companhia enquanto adormece, porque a pode ouvir bater à janela e no telhado de zinco. Faz um rumor reconfortante. A neve acorda-a de manhã. Com a luz que reflecte!

Sente os pés gelados... Costuma senti-los quentes porque o seu gato adormece todas as noites sobre eles. Há duas noites que o bichano não aparece... Faz-lhe falta. Agora que os gansos voaram para longe e o lago gelou. Nunca se aventurara para longe do pequeno casebre de madeira e telhado de zinco. Sabia pescar e o carteiro trazia-lhe todas as semanas uma provisão de leite, pão e uma folha repleta de palavras escritas pelo seu filho, casado e longe... Tinha a sensação que na semana passada não tinha recebido a visita do carteiro...

Sentiu de repente a fome consumi-la por dentro. Uma angústia vinda do nada invadiu-a e a solidão desabou sobre ela. Sentiu-se pequena, muito pequena. Minúscula. Deixou de poder olhar para a neve, tinha agora um brilho insuportável! A chuva que recomeçara a cair, ensurdecia-a e apavorava-a com o seu rugido atroz no telhado de zinco! Foi esconder-se por baixo da manta de lã e adormeceu de cansaço do esforço de tremer para evitar que o sangue lhe congelasse nas veias...

Acordou com o som das pancadas secas na porta. Sentia os pés quentes. Notou um peso familiar... O gato voltara durante a noite! Levantou-se depressa, as pancadas na porta aumentavam de intensidade. Lá fora a voz do carteiro, que trazia a provisão semanal de leite, pão e palavras do filho.

- Então! Como está? Como passou esta semana? Precisa que lhe traga mais alguma coisa? Já acabou a galinha que lhe trouxe na semana passada?

- Na semana passada...?

- Sim, quando vim cá trazer a carta do seu filho!

- Pensei que... Oh! Abri a porta à solidão, por engano! Os dias custaram-me o dobro a passar! Felizmente deixei a porta aberta e o bichano entrou ontem à noite! Muito obrigada! Até para a semana!

Passou o resto do dia sentada à janela com a lareira acesa e um sorriso na cara, observando a neve a cair lá fora. Gostava muito de ver a neve cair silenciosa, luminosa. Nessa noite adormeceu feliz com o gato aninhado aos pés e o som suave e reconfortante da chuva a bater na janela e no telhado...