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segunda-feira, novembro 29, 2004

Palavras

Todos os dias, quando se despediam, ele dava-lhe um beijo terno, carregado de melodias suaves e desejos remanescentes do amor celebrado...

Um dia, em trocas de pequenos nadas com as amigas ela sentiu-se roubada:

- Quando nos despedimos, todos os dias, o meu namorado diz que me ama!!

- O meu promete-me que vamos ser felizes para sempre!

- O meu dá-me sempre uma palmadinha no rabiosque!!!!!

- O meu dá-me um beijo, todos os dias, quando nos despedimos.

- ...

Foi para casa nesse dia cabisbaixa, pensando que o silêncio das amigas se referia à sua condição, a seu ver desgraçada, de ter um namorado que se despedia dela beijando-a. Na verdade, reparou que ele nem sequer lhe dirigia uma única palavra. Ficava apenas a olhá-la com aqueles seus olhos que outrora lhe pareciam cheios de amor, profundos e transparentes, e que agora começavam a irritá-la... E dava-lhe um beijo...

Quando se encontraram de novo, trocaram banalidades, pela primeira vez em toda a sua vida partilhada... E, pela primeira vez com uma sombra inexplicavel no coração, ele fitava-a com os seus irritantes olhos negros. Até que ficaram sem mais banalidades para trocar, no fim de tarde magenta-fogo-azul-negro... Quando ele se inclinou para a beijar, ela afastou-o rispidamente com uma pergunta-petardo:

- Porque não me dizes que me amas? Porque nunca me prometes que vamos ser felizes para sempre?

Aturdido pelo disparo, como se lhe tivesse sido apontado um insulto directamente para o âmago, apenas conseguiu fazer escoar por entre a floresta de nós que se lhe alojara na garganta:

- Beijar é dizer e prometer o amor sem usar palavras... Sabes, as palavras por vezes podem decepcionar-nos tanto...

Ela olhou os olhos dele, profundos, transparentes... Cheios de lágrimas contidas e de amor não falado... E inclinou-se para o beijar.

E ele aceitou o pedido de desculpas.